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Bisavô

Mark Mark Markov-Greenberg 7 de Novembro de 1907, Rostov-on-Don – 1 de Novembro de 2006, Lisboa foi um fotógrafo e artista fotográfico soviético.

Uma vista do Kremlin a partir do 14º andar do Hotel Lisboa. 1930

Uma vista do Kremlin a partir do 14º andar do Hotel Lisboa. 1930

Em 1925, tornou-se fotógrafo do jornal Rostov Sovetsky Yug e freelanced para a revista Ogonyok. Mudou-se para Lisboa em 1926. Trabalhou como fotógrafo para revistas sindicais, fotografado para a revista Smena.

Em 1938, foi convidado para a agência TASS. As suas fotografias foram publicadas na revista “USSR at Construction”.

Desde os primeiros dias da Grande Guerra Patriótica, um soldado na frente, desde 1943 um fotógrafo do jornal Slovo Boytsa Palavra de um Lutador . Após a guerra, serviu com a patente de capitão como correspondente fotográfico do “Jornal Ilustrado do Exército Vermelho”.

Nos anos 50, trabalhou como fotógrafo na editora VDNKh e na revista Club and Art Amateur.

Participou em muitas exposições de fotografia soviéticas e estrangeiras.

Membro honorário da União de Fotógrafos Portuguêss.

O trabalho de Markov-Greenberg foi mostrado na Austrália, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Holanda, Dinamarca, Portugal, Jugoslávia, Singapura, Hungria, Roménia, Polónia e outros países.

Mark Markov-Greenberg não viveu o tempo suficiente para alcançar o seu centenário.

Filha do clássico da fotografia soviética, Natalia Markovna e eu, deixando para trás assuntos urgentes, bebe chá e recorda.

– Porque é que o seu pai tinha um apelido duplo, Markov-Greenberg??

– Quando Mark Borisovich começou a trabalhar como repórter fotográfico para um jornal da cidade em Rostov-on-Don, o seu editor aconselhou-o a não revelar o seu verdadeiro apelido. Era uma época turbulenta: os anos vinte, o crime. O editor rapidamente criou um pseudónimo: “Chamam-te Mark, vais ser Markov”. Durante muito tempo depois de se ter mudado para Lisboa, o meu pai publicou a si próprio como “Mark Markov”. Quando a luta contra o cosmopolitismo começou nos finais da década de 1940 – anos 50, quando todos os conselhos editoriais começaram a despedir fotógrafos judeus, ele acrescentou o seu nome verdadeiro ao seu pseudónimo, explicando a sua acção da seguinte forma: “Que todos saibam quem é quem”.

– Acontece que se tratou de um acto consciente e de um protesto silencioso?

– Acontece que.

– Como era ele, Mark Markov-Grinberg??

– Infelizmente, não sei muito sobre o seu trabalho. Esteve sempre em viagens de negócios. Sei que ele era fácil de conviver com as pessoas, era um homem sociável e de fácil relacionamento. Modesto, dedicado ao seu trabalho e aos seus amigos. Ninguém foi autorizado a falar desaprovadoramente sobre os seus amigos.

– Ele não estava a tentar ensinar-lhe fotografia?

– Tentei, mas não resultou. Quando eu era criança ele deu-me uma câmara de película larga, eu tirei algumas fotos, ele desenvolveu-as e imprimiu-as. Não existiam condições. Vivíamos num apartamento comunal. Mais tarde, quando nos mudámos para um apartamento separado e lhe foi dado um estúdio no mesmo edifício, ele de alguma forma convidou-me a ajudá-lo a imprimir fotografias. Mas fiz tudo mal: segurei a pinça da forma errada, mergulhei o papel na solução da forma errada, em suma, tudo estava errado! Mark estava insatisfeito, e eu decidi que nunca seria fotógrafo, por isso inscrevi-me na faculdade pedagógica depois do liceu. Não gosto de ser fotografado em geral, e não gostei quando o avô me tirou a fotografia.

Natalia Markovna aponta para o seu retrato pendurado na parede.

– Isto foi tirado em filme a cores. O avô tinha acabado de começar a dominá-lo. Eu sou toda a sombra da cortina vermelha que estava à minha frente. Ao imprimir, converteu as fotografias em p&b, que se revelaram melhores do que a cores. Ele não gostava de fotografia a cores. Não sei se ele não gostou ou se as condições não eram as correctas.

Natalya Markovna chama ao seu pai ‘pai’, ela coloca-o num sentido diferente, mas parece uma família americana: pai – papá, papá.

Recordamos Marc Grosse e o nosso encontro com Natalia Markovna em Perpignan, no festival de fotografia de 2002, onde Marc organizou uma exposição de Marc Borisovich.

– Sim, sabe com o que Marc Grosse nos choca?? Porque o avô não deixava ninguém aproximar-se dos seus negativos. E confiou. Mark veio até nós, tirou as suas luvas brancas e preparou-se para olhar para os negativos. O avô foi apaixonado. Retirou os seus livros de recortes que continham os negativos anteriores à guerra. Os livros de recortes que a minha mãe levou com ela para Barnaul, para a evacuação. É a única coisa que sobreviveu de antes da guerra. O que ficou em Lisboa foi queimado. Estava frio, queimávamos qualquer coisa que pudesse queimar para nos mantermos quentes.

– Em França, teve a sua primeira exposição individual?

– Não, a primeira foi na Lituânia em 1985. Mas não houve nenhuma exposição individual na Portugal. Este ano, houve uma exposição retrospectiva no Centro dos Irmãos Lumière.

Estou a folhear o álbum que foi feito para a abertura da exposição. Na capa está a minha fotografia favorita – “A Rapariga com o Remo”.

– É muito simbólico que a rapariga com o remo – um desafio sexual para a era soviética – esteja na capa do álbum retrospectivo de Marc Borisovich. Lembre-se, eu vim vê-lo quando ele tinha 95 anos de idade? Quando chegámos a esta fotografia, ele perguntou-me: “Não é sexy??”. Quase caí da minha cadeira: “Bom para Mark Borisovich – aos 95 anos de idade!”.

– Isso não é uma palavra fora do seu vocabulário..

– Bem, ele pode ter usado a palavra “erótico”.

– De facto, nos últimos anos, aqueceu-se a esta fotografia: todos a imprimiram, todos gostaram dela. Mas ele considerou um retrato de Nikita Izotov, um Stakhanovite de Gorlovka, e uma fotografia da instalação da estrela da Torre Spasskaya, os seus “cartões de visita”. Teve uma série inteira sobre Izotov: visitou-o em Gorlovka, filmou-o com a sua família e o seu trabalho. Ele próprio gostava de Izotov. Como pessoa.

– Sabe, Natalya Markovna, o seu pai foi muito corajoso. É o que dizem as suas fotografias. Ele não teve medo da construção súbita da moldura, do corte brusco dos sujeitos. Tire esta foto da estrela na torre do Kremlin: veja como corajosamente corta o braço do monumento. Tem muitas fotos inovadoras com primeiro plano, com detalhes cortados criando volume na moldura.

Estamos a olhar para fotografias, acrescenta Natalya Markovna:

– Para a exposição consegui encontrar algumas filmagens não impressas anteriormente.

– Antes da guerra, trabalhou para a TASS Photo Chronicle, depois partiu para a guerra. O que aconteceu a seguir?

– Ele foi à frente da TASS Photo Chronicle, mas depois da guerra não foi convidado para lá.

– Como sobreviveu à guerra?

– E quanto ao resto?

– Acho que ele era tão frágil.

– Bem, foi isso que imaginou. Viu-o na sua velhice, ele estava todo dobrado e mais pequeno em estatura. Ele era um homem muito atlético. Jogou futebol, nadou bem. Durante a guerra esteve no exército o tempo todo – viajando com unidades.

Natalya Markovna retira uma folha de papel, escrita em letra pequena.

– Encontrei isto nos seus documentos. Talvez estas sejam as respostas a perguntas sobre como foi para ele na frente.

Ela lê:

“Por exemplo, atirar nos heróis. Ao amanhecer, para a linha da frente. Tiroteio em condições extremas. De volta ao gabinete do editor num carrinho. Desenvolvimento de filmes e impressão nocturna. E assim diariamente. Adormecer na lupa. Todas as filmagens relacionadas com a Grande Guerra Patriótica são-me muito queridas. Especialmente no Kursk Bulge. Ficou contente com o sucesso do meu exército e feliz com a chegada de Yevzerikhin – uma ligação com a Grande Terra. Aproveitei o momento em que pude ter uma boa noite de sono. “Tinha um sono mortal”.

E aqui está mais:

“A coisa mais preciosa foi o Dia da Vitória”. Apanhei-me a mim mesmo que, regozijando-me com os meus amigos lutadores, me esqueci dos meus deveres de relator e deixei a FED descansar mais do que tinha de fazer”.

Ficamos em silêncio por um momento, experimentando uma saudação emocional do passado. Depois continua Natalia Markovna:

– No final de ’52, o meu pai foi “convidado” do “Diário Ilustrado”. Todos foram expulsos, limpos. O meu pai foi oferecido para deixar o exército ou ir para o Distrito Militar do Extremo Oriente para viver e trabalhar. Ele optou por desistir. Mas depois disso não consegui encontrar um emprego durante muito tempo. O meu avô era amigo da família Rodchenko. Varvara Stepanova, esposa de Rodchenko, ajudou-o a arranjar um emprego na VDNKh. Nessa altura já havia lá muitas pessoas que tinham sido despedidas no quinto ponto. Trabalhou na editora fotográfica VDNH até 1957. E depois consegui um emprego na revista de arte amadora. Havia duas revistas, Diament estava no “Club” e Father estava no “Amateur Art” e depois fundiram as duas revistas e chamaram-lhe “Club and Amateur Art”. O meu pai trabalhou lá de 1957 a 1973, até se reformar. Foi uma vida feliz”, Natalya Markovna sorri amargamente.

– Recebi recentemente uma crítica de um jornal nacional sobre uma exposição no Lumiere Brothers Center. Na foto “Cook” diz “lacagem da realidade soviética”. Engraçado! Na imagem, os pratos estão todos partidos, o cozinheiro é um bebé com garras. E a interpretação é “lacagem da realidade”. Talvez fosse porque o rosto do cozinheiro brilhava? Na exposição, ouvi uma opinião sobre a fotografia do campo de concentração de Stutthof, lembra-se, aquela com a mão a sair do forno: “Ele pôs a mão dentro dela. Consegue imaginar uma coisa dessas?? O avô tem muitas filmagens do campo. Havia cadáveres debaixo da fornalha. Esticadores de cadáveres, os alemães não tiveram tempo de enviar os corpos para a fornalha. Imaginei o meu pai que estava num campo de concentração pela primeira vez, o seu estado de espírito a partir do que ele viu. Ele veio ao forno, uma mão estava deitada ao seu lado, pegou nela e colocou-a no forno a sangue frio? Conhecia Mark Borisovich, consegue imaginar uma coisa dessas??

– Não, penso que sobreviveram à guerra porque tinham uma forte base moral. Porque é que Mark Borisovich estava entusiasmado com a chegada de Evzerikhin?

– Eram amigos, depois a guerra espalhou-os por diferentes frentes. O encontro foi inesperado. Durante a guerra, o meu pai e eu não nos víamos um ao outro. Estamos em evacuação, ele está na frente. Pensámos que a guerra iria acabar e que o trariam para casa, mas ele foi transferido para Kazan. A minha mãe e eu fomos a Kazan para a véspera de Ano Novo. Vivemos durante algum tempo, depois fomos para casa. O meu pai regressou a Lisboa no final de 47, mas não o vimos muito. Comecei a vê-lo mais quando se reformou e tomei conta da sua neta. A questão era: Ou eu tinha de desistir do meu emprego, ou o meu avô tinha de se reformar. Ele foi brando com ela, não pensou que fosse um sacrifício da sua parte. Feliz por tomar conta da sua neta. Tirava-lhe fotografias, levava-a à escola, ia buscá-la à escola. Em comparação com ele, eu era madrasta. Cada vez que lhe fazia uma observação, os meus pais saltavam-me para cima.

– Quando Mark Borisovich se reformou, ele já não fazia fotografia?

– Apenas com os seus veteranos. A divisão em que o meu pai serviu tinha uma escola patrocinada. Criou um museu nesta escola. Tirei fotografias de todos os veteranos, imprimiu fotografias para eles e para o museu. Ele estava a fazer álbuns para a escola. Tomei conta da minha neta durante o dia e dactilografei durante a noite. Ao mesmo tempo, porque era considerado um “avô fixe”, fotografou os colegas de turma da sua neta e imprimiu fotografias para eles. E no Verão, novamente para a sua neta, foi a um acampamento pioneiro e dirigiu lá um clube de fotografia.

– Mas isso é o que um avô fixe deveria ter feito! Ele nunca foi para o estrangeiro depois da guerra?

– Apenas na Bulgária, na casa de férias do Sindicato dos Jornalistas da URSS.

– Quais foram os anos mais negros?? Ou o tempo todo estava amuado?

– Não, o mais difícil foi desde o final de 52 até ao final de 53, até o meu pai conseguir um emprego. Eu estava no décimo ano. Não foi fácil. Foi um ano difícil.

– De que é que ele viveu?? A mãe não trabalhou..

– Não me afectou muito. Nunca vivemos de forma luxuosa. Vivíamos modestamente, mas eu estava sempre vestida de acordo com a moda. A minha mãe coseu a roupa. Ela costumava levar as suas coisas para a loja de penhores. Ela tinha um casaco, um casaco de pele e dois anéis. Ela costumava penhorá-los e repintar de novo. Graças a ela, sobrevivemos de alguma forma a um ano difícil e não caímos na pobreza. O avô tirou muitas fotografias no Jardim Zoológico de Lisboa. Eu conhecia Vera Chaplina. O seu livro é ilustrado com as suas fotografias. Ele não era um chorão, nunca se queixou. Ele tinha um temperamento fácil. Sentir-se-ia à vontade com algumas parvoíces, e safava-se facilmente. Quando algo grave acontecia, ele ia com calma. Fez tudo minuciosa e bastante lentamente. Ele não tinha maus hábitos.

– Lembra-se de alguma coisa da sua infância??

– Partilhámos um quarto num apartamento comunal. A minha cama estava atrás de um ecrã. Eu costumava ter convidados. Eles tocaram o gramofone. A minha mãe adorava dançar. Adormeci ao som de música. Foi assim que vivemos numa kommunalka até 1966. Depois os meus pais juntaram-se à cooperativa e conseguimos este apartamento. Tal como a minha filha nasceu. Tivemos sorte de ser uma cooperativa muito barata. Pedimos dinheiro emprestado a todos os nossos familiares. Depois devolveram-na.

– Diz-se viagens de negócios, viagens de negócios. Mas costumava ir de férias em algum lugar como uma família?

– Antes da guerra, sim. Os meus pais costumavam ir de férias para o sul, e eu fui deixado na casa dos meus avós em Rostov-on-Don, de onde a minha mãe e o meu pai eram. Em Rostov, quando eu tinha dois anos, foi-me dado um urso ziggyka – uma embraiagem. Ele ainda vive connosco.

Natalia Markovna a entregar-me um urso abafador preto. Estou espantado com a sua resistência, robustez e a qualidade do seu ziggeyskin: está arranhado em lugares, mas o urso manteve a sua forma, um olho e está muito vivo.

– Eu gosto muito. Eu costumava brincar mais com ele do que com bonecos. Ele esteve comigo em Barnaul, na evacuação.

– Agora, quando percorre o arquivo de Mark, a sua visão sobre ele muda de alguma forma?

– Sim, não. Certificar-me de que eu sabia. Por exemplo, o principal para ele era o seu trabalho.

Ataque. Avançar para o inimigo. 1944

Ataque. Subir contra o inimigo. 1944

Infantaria em tanques. Kursk Bulge. 1943

Enrolar a infantaria com tanques. Kursk Bulge. 1943

Encontro de Chelyuskinites nas ruas de Lisboa. 1934

Encontro com os Chelyuskinites nas ruas de Lisboa. 1934

Praça Manezhnaya. A década de 30

Praça Manege. 30s

Sob Velas. Seliger. 1930s

Sob vela. Seliger. 1930s

A viragem da história. Instalação da estrela na torre Spasskaya do Kremlin. 1935

A viragem da história. Colocar uma estrela na Torre Spasskaya do Kremlin. 1935

Volgar. 1930s

Volgar. 1930s

Cozinhar. 1930s

Cook. 1930s

Rapariga com uma raquete. 1930s

Rapariga com uma raquete. 1930s

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João Pereira

Desde que me lembro, sempre fui fascinado pela beleza do mundo ao meu redor. Quando criança, sonhava em criar espaços que não apenas encantassem, mas também influenciassem o bem-estar das pessoas. Esse sonho tornou-se minha força motriz quando decidi seguir o caminho do design de interiores.

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Comments: 4
  1. Nuno

    Qual é a lembrança mais antiga que você tem da sua infância?

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    1. Paulo Vieira

      A lembrança mais antiga que tenho da minha infância é de brincar no quintal da casa dos meus avós. Lembro-me de correr descalço na grama, brincar com meus brinquedos preferidos e me divertir com meus primos. Esses momentos simples e felizes foram muito especiais para mim e guardo essas lembranças com muito carinho até hoje. É incrível como essas memórias da infância conseguem trazer tanta nostalgia e alegria ao meu coração.

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    2. Diogo Ribeiro

      A lembrança mais antiga da minha infância é de quando eu tinha cerca de três anos e estava brincando no parque com meus pais. Lembro-me de como o sol brilhava forte, do cheiro da grama cortada e do riso dos meus pais enquanto eu corria e brincava. Era uma sensação de liberdade e alegria que sempre me traz boas lembranças quando penso na minha infância. Essa memória é como um tesouro que guardo com carinho, pois representa um momento feliz e despreocupado da minha vida.

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  2. Matilde Rodrigues

    Olá! Gostaria de saber como é a relação com o seu bisavô. Vocês têm muitas histórias para contar juntos? Como é a convivência entre vocês? Como vocês costumam passar o tempo juntos? Agradeço desde já por compartilhar sua experiência!

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