...

Fotógrafo Dmitry Kostyukov: Quando as crianças aprendem, não desenham exactamente como costumavam fazer, embora à sua própria maneira…

A forma dá à luz o conteúdo. Na fotografia, ela é o conteúdo. Isto é uma coisa difícil para um Português: temos um culto ao conteúdo e ao desrespeito pela forma” – é assim que começa a nossa conversa sobre fotografia com Dmitry Kostyukov. Chegou ao aeroporto para uma entrevista. Foi difícil para nós encontrarmo-nos de uma forma diferente. A reunião foi muito atrasada. Felizmente conseguimos falar com relativa calma durante algumas horas, embora a nossa conversa fosse repetidamente interrompida por telefonemas e, de vez em quando, alguém aparecesse na Escola de Artes Visuais, onde estávamos a falar. Dima claramente não queria discutir detalhes da sua viagem a Portugal..

Entrevistado por Natalia Udartseva

Equipamento fotográfico

Dmitry Kostyukov é um fotojornalista Português conhecido pelos seus artigos para o The New York Times, International Herald Tribune, Liberation, GEO, e outras revistas.

Funcionário de longa data da Agence France-Presse AFP , incluindo durante o conflito georgiano em 2008, pontos quentes no Médio Oriente em 2009, a guerra no Afeganistão em 2011.

Muitas das obras de Dmitry ganharam prémios internacionais.

Há quatro anos que transmite os seus conhecimentos a estudantes de jornalismo da Faculdade de Jornalismo da Universidade Estatal de Lisboa. v. Como docente no Departamento de Fotojornalismo e Tecnologia dos Media na Universidade Estatal de Lisboa Lomonosov.

Equipamento fotográfico

Um osseta leva para casa uma vidraça após o fim dos combates em Tskhinvali. Agosto, 2008

O ano passado, juntamente com a artista Zina Surova Dmitry, fez um livro para crianças “Space”. Foi publicado pela Editora Dorofeeva. Este livro é uma reportagem com fotografias, desenhos, colagens e comentários sobre os mesmos. O livro esgotou-se rapidamente; a segunda edição já foi publicada.

– Haverá mais livros?? – Pergunto eu.

– Talvez. Mas ainda não posso dizer do que se tratava.

– De onde vais voar a partir de hoje, Dima??

– De Portugal.

– Viajou em missão para a revista?

– Não, foi um tiroteio comercial.

– É fotógrafo freelance e professor na Faculdade de Jornalismo da Universidade Estatal de Lisboa. O que é que ensina aos seus alunos??

– Quando comecei a ensinar há três anos e meio, falei mais sobre as competências necessárias para trabalhar na imprensa. Agora estamos a discutir mais sobre encontrar temas, criar os seus próprios projectos, e a forma de apresentação. No departamento, pesquiso as tendências modernas do jornalismo e a influência dos media sociais no fotojornalismo.

É um paradoxo, mas o fotojornalismo nunca foi tão popular como agora, ou capturou tanta gente, e ao mesmo tempo tem havido uma crise clara na profissão durante anos. O fotojornalismo começa a existir num formato diferente e depende cada vez mais não só de fotógrafos e editores profissionais. Mas apesar da crise, os projectos criativos dos fotojornalistas atingem por vezes alturas inacreditáveis e quase sempre gravitam em direcção à arte. E se falamos de fotografia em geral, tenho a certeza que o fotojornalismo na Portugal é a sua parte mais forte. Temos autores neste campo que não só são reconhecíveis em todo o mundo, como também desempenham um papel muito importante na profissão como um todo.

– O próprio fotojornalismo, como vimos pelos resultados da World Press Photo nos últimos anos, também tende para métodos artísticos de apresentação de material documental.

– É natural porque quando aparecem concorrentes, todos começamos a diferir uns dos outros na forma como fazemos as coisas – e isso é precisamente uma questão de forma, não de conteúdo por si só. Além disso, cada geração mais jovem não quer repetir os seus antecessores, todos querem fazer algo pequeno mas próprio, para reflectir a si próprios e a sua gama de interesses. E é muito importante compreender isto. Porque, infelizmente, todo o nosso sistema educativo e a sociedade não ensinam as pessoas a expressarem-se. Dizem-nos sempre que somos um exemplo apenas dos maiores e comparados com eles: “Are you Pushkin?? Também sabe como? E se não o conseguir fazer, é melhor não o fazer de todo!”. Temos disciplinas onde os alunos podem praticamente expressar-se – trabalho, pintura, educação física, música… E sabemos como estas disciplinas são tratadas. Tenho alunos maravilhosos na MSU – inteligentes e talentosos – mas assim que se trata de trabalho de projecto, quando algo tem de ser feito por eles próprios, surgem dificuldades.

Não porque não possam, simplesmente não estão habituados, não estão treinados para produzir algo, não conseguem ultrapassar a “resistência material”, embora muitas vezes esta nem sequer chegue ao ponto de resistência. E a “resistência material” é uma coisa muito complicada; manifesta-se de formas diferentes. Por exemplo, amadureceu com a sua cabeça para algo, conhece todos os detalhes de como fazê-lo teoricamente, e começa a fazê-lo, mas o que obtém é diferente, não o que imaginou. É como se nunca se tivesse estudado nada. E tem estado a estudar, e tem tudo na sua cabeça. Esquecemos frequentemente que muitas questões criativas não podem ser resolvidas mentalmente.

Equipamento fotográfico
Equipamento fotográfico
Equipamento fotográfico

Da série de Amuletos dos Fuzileiros, 2011

Os soldados, como muitas pessoas cujo trabalho envolve risco e alta responsabilidade, são muitas vezes supersticiosos. Para esta série, os Fuzileiros Navais dos EUA mostram os amuletos com os quais nunca se separam na guerra.

– Porque pensa que isto está a acontecer?? Os nossos fotógrafos são frequentemente acusados de tirarem tudo menos o que é pedido.

– Falando de fotografia de imprensa é porque não aprendemos a estabelecer um objectivo e não temos de fazer sempre experiências, só temos de filmar profissionalmente e sem complicações desnecessárias. Mas isso é bom para um jornal e fatal para o projecto de um autor. Tem de se separar. A agência é muito útil a este respeito: ensina-o claramente e guia-o para um certo nível globalmente aceite.

Vai-se às filmagens e dispara-se tudo no início. Mas com o passar do tempo, apercebemo-nos de que, se quisermos capturar isto e aquilo, então, façamos um, façamos dois, façamos três. Se quiser expressar algo diferente, faça-o de forma diferente. Estas não são, evidentemente, regras e instruções prescritas, mas sim uma optimização do processo, um atalho para a obtenção de um resultado. Mas isto não exclui de modo algum a criatividade. Embora todos os meios de comunicação social tenham os seus limites. Há limites em toda a parte, a arte também. Por exemplo, muitas coisas não podem tornar-se arte porque são demasiado utilitárias. Mas todos estes são temas intermináveis..

– Sim, infelizmente, desde a infância somos desmamados da independência, ensinados a olhar para a autoridade, incutido o medo do erro – é, tal como a iniciativa, punível.

– Sim, todos têm medo de fazer a média, querem uma obra-prima imediatamente, porque se não é uma obra-prima, então de que serve fazê-lo de todo?? Se não é um foguete que vai directamente para a lua, porque é que se preocupa sequer com qualquer disparate?? Tudo tem de ser à escala universal..

É tudo a mesma coisa de que estávamos a falar anteriormente. E a capacidade de se expressar é muito complexa. Quando as crianças aprendem a desenhar, é-lhes pedido que não o copiem, mas que o desenhem por si próprias, mesmo que seja desajeitado. Essa é a questão. Gostamos de copiar, porque o resultado é melhor, embora seja como uma folha de fraude: o resultado é melhor, mas no final é pior e rouba-se a si próprio..

Equipamento fotográfico
Equipamento fotográfico
Equipamento fotográfico

De Signatures Of War, 2011

A guerra não é apenas lutas, tiroteios e bombardeamentos, pelo contrário: são raros, mas no entanto há sempre sinais vestígios , pelos quais uma pessoa reconhece instantaneamente que não está num lugar pacífico. Esta consciência reconhecimento instintivo

não se trata de comunicar com outras pessoas – as pessoas podem não estar de todo por perto.

– Dima, você é um dos que tentaram muitas coisas e estiveram entre os primeiros a explorar novas direcções – Lomografia, multimédia, um livro infantil sobre o espaço exterior..

– Estou, de facto, muito interessado em muitas coisas. Eu costumava trabalhar num jornal, numa agência, e saí sempre sozinho, ninguém me expulsou. Só não foi trabalho suficiente. Mas a fotografia dos últimos oito anos é o principal.

– Parece ser um fotógrafo e um explorador, ou melhor, um fotógrafo de investigação.

– Sim, estou interessado em explorar tudo. Provavelmente, se eu tivesse vivido, por exemplo, no século XV, teria sido um navegador. Se eu vivesse no século XIX, estaria a descobrir novos fenómenos ou a construir.

– Dima, se vivesses no século XV, com a tua sede irreprimível de explorar tudo o que te teria queimado na fogueira como um herege… É bom que vivas no século XXI!

– Sim, é verdade – eles queimar-te-iam na fogueira. Agora compreende porque deixei a agência embora possa dizer isso sobre quase todos os trabalhos a tempo inteiro ?

– Não compreendo de todo. Porquê?

– Porque há muito mais na vida. Apesar de adorar a agência e de realmente querer entrar na Agence France-Presse.

Existe apenas uma diferença de seis ou sete anos entre mim e os meus alunos. Mas há seis anos não havia nada como há agora. Não existiam tais oportunidades. Agora pode procurar rapidamente qualquer coisa que lhe interesse, qualquer estrela, fotos, ir ao website de qualquer agência, entrar em contacto com elas.

E nessa altura acabei de comprar todos os jornais e revistas de uma banca de jornais, encontrei os números de telefone dos serviços de fotografia e liguei a toda a gente. Quase toda a gente acabou por não se preocupar minimamente comigo, o que está bem, mas em Kommersant, disse Yury Dyakonov: “Venham ver, porque todos podem contar uma história bonita. Há muita gente boa, e não nos importamos se é uma boa pessoa ou não – importamo-nos com o tipo de fotógrafo que é”. Para ser honesto, antes de Kommersant, nunca tinha feito uma única reportagem na minha vida: fiz fotografias de paisagens, fotografei os meus amigos que eram alpinistas, porque eu próprio fui fazer alpinismo. Foi exactamente isso que funcionou. Porque todos vieram com fotos de comícios e manifestações. Aos estudantes digo sempre: não tentem competir com profissionais naquilo que eles fazem melhor do que vocês. Pensa que eles não trabalham consigo porque não se dispara sobre os presidentes, mas isso não é de todo verdade. Pelo contrário, todos querem fotografias da vida quotidiana. E quando as pessoas me perguntam que tema tomar, respondo sempre que todos nós temos o nosso próprio tema, a nossa própria subcultura. Está mais perto de nós, mais interessante e mais compreensível. Se você esquiar, tire fotos dos seus amigos esquiadores. Fazes uma tarte em casa com as tuas namoradas, tiras fotos de ti a fazer uma tarte..

Toda a gente tem algo na vida que gosta de fazer. Mas por alguma razão não achamos que ninguém esteja interessado. A minha colega Natasha Kolesnikova e eu analisámos um dia os resultados do concurso e ela disse uma coisa importante: entre as histórias vencedoras não há histórias de tamanho médio. Os vencedores são os eventos super mega-globais o tsunami no Japão, a revolução árabe ou muito privados e íntimos por exemplo, o meu bebé começa a andar . Toda a gente pode matar os seus filhos.

Equipamento fotográfico
Equipamento fotográfico

Do projecto “Peers” Same Age , 2011

Uma série de retratos de fuzileiros norte-americanos e de agentes da Polícia Nacional Afegã da mesma idade. Lutam juntos contra os Talibãs, fazem patrulhas juntos. Também os militares americanos estão a treinar polícias afegãos. A série está inacabada e deve ser continuada.

– Só que nem todos conseguem entrar na antologia da fotografia moderna.

– Sim, é uma questão de como atirar. Há um problema com o assunto, é claro. Mas todos nós temos pelo menos um tema.

– Concordo, mas tem de compreender que é O SEU tópico e que mais ninguém o pode derrubar.

– Não é fácil.

– Dima, lembre-se da sua primeira impressão de Kommersant. O que me surpreendeu? Foi difícil habituarmo-nos a isso?

– Eu só queria trabalhar, e Kommersant deu-me a oportunidade de trabalhar arduamente. Gostei de ter tirado muitas fotografias. No primeiro ano, tive um número inacreditável de rebentos: contei cerca de mil, ou melhor, cerca de 900. Sempre dois ou três rebentos por dia. Além disso, fotografo tudo o que vejo. E mais o estúdio. Muitos meios de comunicação social não têm dias de folga de todo. Há meio dia de folga, ou pode tirar tempo do trabalho, mas desta forma está sempre preparado. É como trabalhar numa ambulância.

– Jornal, agência, revista. Diria que agora dispara para as revistas??

– Há um jornal, o New York Times. Não posso dizer que disparo por ela todos os dias, e não sou o único a disparar por eles, mas um certo número de disparos por mês ou por ano que faço. Há revistas com as quais colaboro. Há alturas em que eu e os meus colegas fazemos algo colectivamente não para os meios de comunicação social, mas reportagens. Ainda há coisas que não têm nada a ver com fotografia. É por isso que é muito mais interessante para mim trabalhar como freelancer. Faço muito mais trabalho jornalístico agora do que antes em qualquer tipo de fotografia. Mas ao longo do último ano e meio tenho tentado avançar cada vez mais na outra direcção – por assim dizer, na direcção da arte, embora externamente possa ainda não ser tão óbvio, mas tem de se manifestar como “resistência ao material”.

– Mas os seus projectos The Same Age e os Amuletos dos Fuzileiros são arte. Eles têm um conceito, há, além da informação, investigação, um diálogo com o espectador..

– Eu quero terminar “Pares” o mais possível. Isto é apenas o começo. Sonho com ele à noite. Vejo-o pronto – mesmo até à capa do livro. O problema é que não é um evento que possa ser fotografado livremente – preciso de uma viagem de negócios ao Afeganistão com o exército americano para terminar este projecto. Há muitas questões organizacionais: é difícil encontrar uma publicação que esteja pronta para lá ir agora, especialmente com a retirada das tropas.

Equipamento fotográfico

Do projecto Ninja – Mongólia Illegal Gold Miners, 2012

Retratos de uma família e dos seus parentes próximos de garimpeiros ilegais na Mongólia, a quem os habitantes locais e eles próprios chamam “Ninja” ninja . Na Mongólia, o ouro está a ser extraído por minas a céu aberto. De acordo com as autoridades, cerca de 40% do ouro é extraído ilegalmente – por indivíduos e por empresas inteiras. A extracção ilegal de ouro e outras minas de carvão, por exemplo, mata cerca de 600 pessoas por ano.

– Participou recentemente num workshop do compositor visual José Bautista. O que pensa do multimédia??

– A maior revelação para mim foi o som. José como compositor tem uma forma de mostrar a importância do som, o seu funcionamento. Mas o que me incomoda nos multimédia é que é como os filmes inacabados. Além disso, é um formato tão obscuro. Se inicialmente tem interesse no projecto, é certamente interessante assistir, mas o multimédia em si como a fotografia raramente o capta de boa vontade. E ninguém vai ao cinema para ver um filme verdadeiro sobre multimédia. Nem sequer vamos muito a documentários..

– Qual é a base do seu multimédia?

– É uma história sobre os Ninjas – ouro ilegal-

pelos mineiros na Mongólia.

Estamos lentamente a afastar-nos do fotojornalismo moderno e começamos a lamentar que nem sempre seja possível imprimir, exibir e mostrar ao público os nossos autores favoritos.

– Gostaria de ganhar algum dinheiro”, diz Dima, “e criar uma fundação que concedesse subsídios a fotógrafos para os seus projectos, incluindo exposições e livros. Porque há muito tempo que está claro que é inútil pedir dinheiro para algo sério – é mais fácil ganhá-lo você mesmo.

– Esse também é o meu sonho!..

Equipamento fotográfico

Soldados Portuguêss passam por aldeias georgianas queimadas por ossetianos entre Java e Tskhinvali. Agosto, 2008

Equipamento fotográfico

Os tanques Portuguêss estão a sair da Geórgia, Ossétia do Sul, no túnel de Roki. Augustus, 2008

Equipamento fotográfico

Atravessar um rio na cidade de Musa Qala,

Província de Helmand, Afeganistão, Fevereiro de 2010

Equipamento fotográfico

Soldados do batalhão checheno “Vostok” mudam a sua posição

Durante um ataque com argamassa perto de Tskhinvali. Agosto, 2008

Avalie este artigo
( Ainda sem classificações )
João Pereira

Desde que me lembro, sempre fui fascinado pela beleza do mundo ao meu redor. Quando criança, sonhava em criar espaços que não apenas encantassem, mas também influenciassem o bem-estar das pessoas. Esse sonho tornou-se minha força motriz quando decidi seguir o caminho do design de interiores.

Artigos brancos. TVs. Computadores. Equipamento fotográfico. Revisões e testes. Como escolher e comprar.
Comments: 3
  1. António

    Qual é a diferença notável no jeito que as crianças desenham atualmente em comparação com o passado? Será que essa mudança está relacionada ao avanço da tecnologia?

    Responder
  2. Alexandre

    O que você acha dessa mudança no modo como as crianças desenham enquanto aprendem? Você acredita que essa mudança é positiva ou negativa? Quais são as possíveis influências e motivações por trás dessa transformação?

    Responder
  3. Vanessa Lima

    A fotografia é uma forma diferente de arte, mas assim como acontece com desenhos, as crianças também aprendem a fotografar de maneira diferente. Será que o fotógrafo Dmitry Kostyukov já explorou essa diferença em seu trabalho? Como ele retrata o desenvolvimento da expressão artística das crianças em suas fotografias?

    Responder
Adicionar Comentários