...

Crítica de fotos: Galeria Jason Howe – É muito difícil ouvir a tua mãe chorar

Fotógrafo autodidacta, nascido em 1971 em Ipswich, Reino Unido. A sua paixão pela fotografia começou na escola e tem continuado ao longo de dez anos de trabalho numa loja de máquinas fotográficas. Durante este tempo, Jason adquiriu conhecimentos técnicos sobre fotografia e fez as suas primeiras viagens à América Latina. Ao longo dos dez anos em que trabalhou em quase todos os países do continente, tem viajado extensivamente ao longo dos anos, por períodos que vão desde algumas semanas a um ano.

Foto: Jason Howe.

Jason Howe

Jason Howe: “É muito difícil ouvir uma mãe chorar”

Em 2001 Jason decidiu concentrar-se na reportagem e fotografia documental. Um ano depois é convidado a juntar-se ao pessoal da agência World Picture News e a partir de Dezembro de 2003 passa 13 meses no Iraque, fotografando diariamente tudo o que acontece no país.

Em 2006 filmou a guerra no Líbano, depois viajou para o Afeganistão, especialmente para a violenta província de Helmand. Jason trabalha agora em missões para editores de publicações globais no Médio Oriente, Extremo Oriente e Ásia, vivendo em Cabul durante seis meses de cada vez e passando o resto do seu tempo algures entre a Europa e a Ásia. Jason é um dos melhores fotojornalistas militares do mundo e tem tido as suas imagens destacadas em algumas das melhores publicações do mundo. As fotos de Jason Howe podem ser vistas no seu website, fotos de conflitos.com.

Conflito na Colômbia. Bombardeamento de um autocarro

Conflito na Colômbia. Uma bomba num autocarro

– Vêem-se muitas semelhanças entre a Segunda Guerra Mundial e a guerra no Afeganistão?

– Vejo uma grande diferença. Na guerra afegã, são feitos enormes esforços para minimizar as baixas civis. Ontem, por exemplo, um taxista perguntou-me porque é que a América não bombardeou apenas todo o território talibã? Eu disse, eles não o podem fazer porque os civis iriam sofrer. Mas quando se trata da Segunda Guerra Mundial, houve um grande número de baixas civis, incluindo mulheres e crianças. Na sua maioria mulheres e crianças. Hoje em dia não podemos simplesmente andar por aí a bombardear pessoas. E é aí que eu vejo uma enorme diferença.

– Qual é a razão?? Qual é a diferença entre esses e estes?? Tornámo-nos mais civilizados?

– É por causa da pressão que a imprensa está a exercer sobre eles. Devido ao grande número de jornalistas presentes em qualquer guerra nos dias de hoje. Viu como era Grozny durante a guerra na Chechénia

– Mas também havia lá muitos jornalistas..

– Sim… Talvez os Portuguêss simplesmente não se importassem tanto com o que se passava ali. A última vez que estive no Afeganistão e civis foram mortos, houve um enorme alvoroço em torno disso e os americanos tiveram de pedir desculpa. Hoje em dia é muito difícil esconder as mortes de civis.

– Bem, se os americanos estão tão preocupados com as opiniões de outras pessoas, porque é que estão a começar cada vez mais guerras??

– Provavelmente, uma pergunta melhor para fazer a um analista.

– Certamente, mas quero perguntar isto a uma pessoa que, ao contrário dos analistas, vê esta guerra a partir de dentro.

– Sim, sim, sim. O meu trabalho é mostrar a estes analistas imagens da guerra e eles irão analisá-las e encontrar soluções. Não é meu papel analisar as causas do conflito, mas tento encontrá-las e explicá-las. Sinceramente, não sei porque é que a América está a começar novas guerras. Não sei se existem razões financeiras. Todos sabem que a guerra é um bom negócio. Não sei se isso se deve à estabilidade na região, ou ao desejo de impedir o Paquistão ou o Irão de ganhar influência no Afeganistão. Há muitas razões, mas não preciso de as conhecer para poder trabalhar.

– Nos últimos anos, a profissão de repórter de guerra entrou em voga. São escritos livros sobre o assunto, são feitos filmes. Ficaria muito aborrecido se, a partir deste dia, todas as guerras do mundo parassem??

– Nem por isso. Porque quando comecei este trabalho, tinha uma boa razão. Eu não queria mudar o mundo.

– E todos o querem fazer!..

– Eu não queria! Mas trabalhar com as notícias atraiu-me muito. Queria verificar-me a mim próprio. Eu queria ser o primeiro a cobrir as notícias.

– Porquê??

– Não sei.

– Quando o ataque ao Domodedovo aconteceu, foi dois minutos mais tarde no Twitter. Mas ninguém foi capaz de responder à pergunta: porquê descobrir isso antes de qualquer outra pessoa??

– Sim… Mas se descobrirmos mais cedo, isso significa que podemos mudar algo mais cedo. Quando quiser mudar alguma coisa, é importante obter rapidamente a informação de que necessita. É importante não perder tempo. Mas se só o está a fazer pela sua própria experiência, é egoísta. Está assustado, por isso ainda está vivo. Eu também tenho estado a testar-me com o extremo. Mas também é egoísta. Precisávamos de experiência de guerras anteriores. Não teria havido a Segunda Guerra Mundial e não saberíamos o quão horrível são as cidades após o bombardeamento. Não saberíamos o que resta depois das bombas atómicas. Mas ainda tenho as fotografias. Pode olhar para eles e perguntar a si próprio porque é que vai para a guerra? Quer fazer a diferença?? Ou quer testar a si próprio? As fotografias mudam realmente o mundo. Conheço fotógrafos que há décadas que fotografam a guerra, e a cada ano que passa, cada vez mais loucos, as suas famílias desmoronam-se. Para quê? Estar sem família? A passar por um choque pós-traumático?

– E você mesmo começou a beber?

– Eu costumava beber. Porque quando voltamos à vida normal, nada toca o nervo como a batalha tocou. Se amanhã eu decidir parar e começar uma família, posso fazê-lo. Posso conseguir um emprego normal, posso ter filhos, posso levar uma vida normal. Mas agora não posso pagar a uma família, é impossível. Mas essa é a minha decisão. Eu próprio decidi seguir o meu sonho, desistindo das coisas normais.

– Bem, OK… Que percentagem das suas emoções sente quando tira fotografias de cadáveres pode transmitir aos espectadores que vêem as suas fotografias?

– Não acredito na objectividade absoluta! Porque então é preciso pensar que as mortes destas pessoas foram culpa de outra pessoa, decisão de outra pessoa, outra pessoa pagou pela arma que as matou. Mas se não tiver empatia, se for indiferente, as suas fotografias também reflectirão isso. E as pessoas que irão olhar para as suas fotografias algures em Londres não poderão cheirar cadáveres, ouvir uma mãe a chorar pela perda do seu filho; não haverá qualquer emoção nestas fotografias. É por isso que tem de ser emocional – não tão emocional, claro, que chore e doa pela morte de outras pessoas. Tenho de encontrar um equilíbrio. Não se pode olhar para cadáveres e não sentir nada. É preciso fugir por algum tempo, fazer outra coisa. Uma vez vi mais de trinta crianças mortas no Líbano, e o meu colega que estava comigo adoeceu com elas. Não se pode permitir demasiados danos emocionais.

– Quando falou sobre o cheiro da fotografia, não exagerava?

– Não. Se uma imagem tocar, cheira mal. Quando se olha para fotografias onde as pessoas estão a disparar, é claro que não se ouvem tiros de metralhadoras. Algumas pessoas nunca tinham ouvido um disparo antes. Mas por vezes consegue filmar de tal forma embora seja muito difícil de fazer que o espectador, olhando para a fotografia, ouve a mesma coisa que você ouviu quando a tirou. Claro que não se pode fazer uma fotografia de um cadáver cheirar, mas se o corpo estiver bem, talvez o espectador cheire algo desagradável. Muita coisa depende também da imaginação.

– Mas nem todos, como se costuma dizer, conhecem o cheiro da guerra.

– Sim, as pessoas vão ao cinema, vêem filmes de guerra. A verdade é que, na realidade, a guerra é muito diferente. Um movimento rápido e estás morto. Soldados não lutam como nos filmes. Noventa por cento do seu tempo é passado sentados algures, a fumar, a contar histórias uns aos outros.

– Sim, sentam-se e esperam que algo aconteça… Mas os fotógrafos de guerra também o fazem.

– Mas no nosso trabalho, é difícil saber quando é que algo vai acontecer. Tudo o que podemos fazer é esperar. Há uma grande diferença entre esperar por um terramoto e esperar por hostilidades. As pessoas morrem. Os governos não gostam de mostrar ao mundo a morte dos seus soldados, a morte de civis. E preferem que todos pensem que, por exemplo, não se passa nada no Afeganistão. E é preciso documentar cada morte que se vê. As pessoas não compram jornais para saber o que se passa no Afeganistão, mas para ler sobre o casamento do Príncipe Herdeiro.

– Tem algum pecado grave??

– Por exemplo?

– Bem, o seu maior pecado está escrito em todo o seu rosto. Depressão.

– Sabe ler caras?!

– Não se não for tão óbvio.

– Não estou a pedir desculpa por nada. Há pessoas que têm assento nos parlamentos, que ensinam as crianças nas escolas. Que têm esposas e filhos. Antes de morrer, só me vou perguntar uma coisa: Fizeste tudo o que querias fazer na tua vida?? E se eu dissesse “não, não, nunca viajei pelo mundo, nunca fiz nada que toque um nervo, quero dizer, queria fazê-lo, mas fiz outra coisa”… Se eu quiser voltar ao Afeganistão, não irei a outro lugar, irei ao Afeganistão. Se eu não quisesse ser fotógrafo, escolheria uma profissão diferente. Eu sou o que eu queria ser. Acho que não me arrependeria de não ter filhos, não me arrependeria de não me casar.

– Não o fará?

– Não, não o fiz!

– Fala-se demasiado sobre o assunto. Já estás arrependido!

– Estou a dizer a verdade!

– Ou não se arrependa porque ainda tem muito tempo, e pode ter tudo?

– Sim, é isso mesmo, é por isso. Tudo o que digo é que consegui fazer muito do que considero ser as coisas mais importantes na minha vida. Mas se alguém me dissesse: só lhe resta um ano para casar e ter um bebé, porque dentro de um ano estará morto, eu não o faria. Porque quando se tem mais um ano, já não importa. Estou muito feliz agora que consegui que o meu livro fosse publicado.

– Sim, bem, não é justo casar sabendo que só lhe resta um ano..

– Sim… Mas se alguém me dissesse: tens dez anos de vida e ainda podes ter uma bela esposa e filhos maravilhosos, mas tens de desistir da fotografia, já não vais para a Colômbia ou para o Afeganistão, e já não vais fazer as notícias, tens de desistir de tudo o que viveste antes – eu responderia: nem pensar!

– Assim, tem a sua própria relação com o tempo?

– Sim, é verdade, já tinha pensado nisso. Estou a olhar para as minhas primeiras fotos da Colômbia, é a minha primeira experiência, mas parece que há dez anos entre mim e eles. Sinto que só os tirei ontem. Assim, o tempo está constantemente a comprimir e a expandir-se. Vai-se atrás dos soldados. Se deres um passo em falso num segundo, vais ter a perna arrancada. Ou cabeças. E estás morto. Caminha-se metro a metro, contando para baixo a cada dez segundos. Esses dez segundos expandem-se..

– E na guerra, mesmo quando se fuma e se espera, o tempo estica ou encurta?

– Mmm… Diferente. Depende do que se está a passar. Um segundo pode parecer como duas horas.

– E quando as raparigas o deixam, o que acontece a seu tempo??

– Acabei com a minha namorada há um ano, mas parece que foi só ontem. Parece que alguns dos acontecimentos nas nossas vidas aconteceram ainda na semana passada, e é muito doloroso. Tosses .

– Bem, é mais fácil para as raparigas compreenderem um soldado do que um fotógrafo de guerra. Ou não se sentiu nada orgulhoso?

– Muitos fotógrafos na Colômbia e no Afeganistão fazem frequentemente o mesmo trabalho que os soldados. A minha última namorada estudou medicina chinesa, não tinha nada a ver com a minha profissão, não tinha interesse na guerra, não lia as notícias, e estava orgulhosa de mim, mas a nossa relação foi arruinada pelos três meses que passei no Afeganistão. Talvez eu volte, talvez não – nunca se sabe. E todos reagem de forma diferente. Mas penso que é porque ela não me amava. Quando um homem ama, ele espera. Quando ele não gosta, não… Mas eu tinha de fazer o meu trabalho. Eu não podia desistir do meu trabalho.

– Se tivesses de desistir do teu trabalho por amor, logo te apaixonarias pela tua namorada?

– Exactamente! Sim. Eu lamentaria. Mas… É por isso que os fotógrafos têm tais problemas de relacionamento.

– disse Salomão: “todas as coisas passam”.

– Sim, eu acredito no tempo. Os primeiros dias depois de uma separação são horríveis. E mesmo meses – três, quatro. Mas depois vem o. Não se consegue ver-se livre da dor numa semana. Tenho de ir para a Líbia. Alguns fotógrafos ganham dinheiro sem se preocuparem com os próprios líbios. Prefiro concentrar-me numa história e vê-la passar, mesmo que não ganhe dinheiro.

– Como qualquer repórter de guerra, tem os seus primeiros cadáveres?

– Sim, eu vi-os na Colômbia, no necrotério. Foram cortados, baleados. Para mim, eles eram como animais, não acreditava que alguma vez tivessem sido seres humanos. Cheiravam, decompunham-se. Eram animais mortos, pensava eu. Foi apenas a segunda vez que senti que eles eram seres humanos, e que tinham sofrido muito antes de morrerem. Foi difícil para mim. Era difícil sair de algum lugar, voltar dias ou horas mais tarde, e ver que só restavam cadáveres dos vivos. É muito difícil ouvir uma mãe a chorar.

Graças a //planetpics para as fotos fornecidas para publicação.

Conflito na Colômbia. Uma bomba num autocarro

Afeganistão. Operação Besta do Sul

Afeganistão. Brigada de Reconhecimento

Afeganistão. A brigada de reconhecimento

Afeganistão. A brigada de reconhecimento

Afeganistão. Brigada de Reconhecimento

Afeganistão. Soldados britânicos e afegãos a combater os talibãs

Afeganistão. Soldados britânicos e afegãos a combater os talibãs.

Afeganistão. Soldados britânicos e afegãos a combater os talibãs

Afeganistão. Brigada de reconhecimento

Uma operação militar na Colômbia

Uma operação militar na Colômbia

Avalie este artigo
( Ainda sem classificações )
João Pereira

Desde que me lembro, sempre fui fascinado pela beleza do mundo ao meu redor. Quando criança, sonhava em criar espaços que não apenas encantassem, mas também influenciassem o bem-estar das pessoas. Esse sonho tornou-se minha força motriz quando decidi seguir o caminho do design de interiores.

Artigos brancos. TVs. Computadores. Equipamento fotográfico. Revisões e testes. Como escolher e comprar.
Comments: 2
  1. Rafael

    Sinto muito que você esteja passando por essa situação difícil. Gostaria de saber se a série de fotos da galeria Jason Howe teve algum impacto emocional em você? Você acredita que a arte pode ajudar a expressar emoções e experiências pessoais de uma forma única?

    Responder
  2. Carolina Santos

    Por que a galeria de Jason Howe desperta essa emoção ao ouvir uma mãe chorar? O trabalho fotográfico é tão poderoso a ponto de transmitir essa mensagem com tamanha intensidade? Quais são as técnicas ou elementos utilizados por Howe para criar esse impacto emocional nas suas fotografias? Gostaria de entender melhor a história por trás dessas imagens e como elas nos fazem refletir sobre a maternidade e as emoções humanas.

    Responder
Adicionar Comentários